Olá! Como você pôde ver no ultimo texto, Rodrigo começa a não ter mais como negar os fatos. As coisas que presenciou até o momento o deixam inquieto. Ele percebe que precisa fazer alguma coisa.
E é o que ele irá fazer.
Venha comigo e conheça o desfecho dessa narrativa que nos apresenta um pouco mais de como Rodrigo embarcou na trama de Pré-Mortais.
***
Durante
a noite, jogado em sua cama, olhando distraidamente para o teto, Rodrigo ficou
se perguntando o que teria sido aquela voz. E por que teria visto tanto aquele
borrão preto ao lado do garoto e a aura vermelha em volta do amigo. Nada
daquilo era normal. Muito menos fazia sentido.
Mas agora o que aquele casal havia dito,
parecia ser verdade. A vida de Hander corria perigo.
Rodrigo rolou de um lado a outro e sono não
veio. Estava difícil relaxar aquela noite, depois de tudo aquilo. Ele saiu da
cama e foi para a janela. Abrindo-a, deixando o ar entrar. Depois, debruçou-se
sobre o batente e ficou observando o céu, que estava estrelado, apesar de estar
sem lua.
Fazer isso sempre lhe trazia alguma paz e um
pouco de calma.
Rodrigo!
Foi então que uma voz o chamou e ele olhou para
trás, na direção da porta de seu quarto. Mas ela continuava fechada.
Rodrigo!
Novamente ele ouviu o chamarem. Dessa vez ele
olhou pela janela afora, procurando por alguém, acreditando que pudesse ser
alguma pessoa do lado de fora. Mas nada. Não havia ninguém.
─ Será que estou ouvindo coisas? ─ Rodrigo
disse para si mesmo. Mas então a voz veio novamente. E ele percebeu que ela
ecoava em sua mente. Ela vinha de dentro e não de fora.
Rodrigo!
Preciso lhe encontrar. Tem alguém que precisa conhecer.
─ Ah não, para! Me colocaram num filme de
mutantes e esqueceram de me informar? ─ O garoto murmurou, constrangido com a
situação. ─ Quem é você? O professor Xavier?
Rodrigo ouviu algo parecido com uma risada
ecoar em sua mente.
Não
meu caro. Sou um amigo e você me conhece. Você gosta de me chamar de Hallek.
A respiração de Rodrigo congelou. Aquilo não
podia estar acontecendo. E como se estivesse lendo sua mente, o que de fato
estava; dadas as circunstancias, a voz de Hallek ecoou novamente.
Ah,
mas é possível sim. Onde está aquele aluno curioso que me procurou dias atrás?
Achei que ele acreditasse no sobrenatural.
─ Ok! Vou parar com o meu ceticismo. Já
aconteceram coisas demais pra eu continuar com isso. ─ Rodrigo finalmente cedia
aos fatos. ─ Onde lhe encontro? Quando?
Vá a
Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, depois de amanhã, sábado.
Hallek disse. Esteja na entrada do museu
às 14:00hs.
─ Tudo bem ─ disse. ─ Estarei lá.
Nós o
aguardaremos.
Depois disso, Rodrigo voltou a ter apenas a
companhia do silêncio da noite. Ainda olhando pela janela, ele agora podia ver
a lua ganhando altura, cheia e brilhante, preenchendo o céu noturno.
***
A
sexta-feira veio e foi embora e tudo correu como se nada tivesse acontecido no
dia anterior. Claro, Rodrigo notou os garotos olharem de esguelha durante boa
parte do dia para ele e Hander, mas ninguém implicou ou mexeu com eles. Todos
mantiveram distância, como já o faziam comumente.
No sábado, Rodrigo acordou cedo, às 05:00hs da
manhã. Deixou que seu dia começasse com uma corrida de 15min em volta do campo
de terra batida que havia no conjunto onde morava. Mesmo o exercício
desgastante para o corpo não o livrou da ansiedade que o seguia. Dessa forma, a
manhã custou a passar. Então, de banho tomado e barriga cheia e já impaciente
de esperar, às 10:00hs, Rodrigo saiu de casa. Precisava se colocar em movimento
para não pirar enquanto esperava.
Como não tinha ninguém em casa, decidiu por não
deixar qualquer recado. Estava apenas indo a Quinta da Boa Vista e nada de ruim
poderia acontecer nesse intervalo. Pelo menos era o que ele esperava. Mesmo com
toda a confusão que andava a rodeá-lo ultimamente. Afinal, depois de encontrar
com um garoto que controla o fogo e uma garota que manipula o vento, ver seu
amigo rodeado por uma energia estranha e ter sua mente invadida por seu
professor de filosofia, ele não sabia mais ao certo o que esperar. Mas deu de
ombros e partiu.
Pra sorte dele, o transporte alternativa na
Zona Oeste é igual uma praga e existe aos montes com seus cobradores gritando
seus destinos enquanto colocam suas cabeças para fora dos veículos, arriscando
as próprias vidas. Logo, mal colocou o pé no ponto e um desses surgiu, com um
rapaz franzino, de pele negra e o cabelo pintado de loiro, gritando com todo o
potencial de suas cordas vocais:
RODOVIÁRIA DE CAMPO GRANDE, DETRAN, TEM VAGA!
Rodrigo, que era como um grande prêmio de
percurso assim como todos os passageiros pelo caminho; foi praticamente
enlaçado pelo cobrador e jogado para dentro da van. Em seguida, o motorista
pareceu enterrar o pé no acelerador e prosseguiu com a viagem. Quando o
transporte alternativo chegou à altura do calçadão de Campo Grande, Rodrigo deu
graças a Deus mentalmente por descer e se livrar do som irritante de funk que o motorista havia feito o favor
de colocar no ultimo volume, não respeitando o fato de que ninguém é obrigado a
escutar o que ele curte. Afinal, em um transporte publico viajam pessoas com
diversas culturas e gostos musicais.
Rodrigo olhou para o relógio e percebeu que
tinha levado apenas 10min para chegar a Campo Grande. Seguiu pelo calçadão em
direção a estação de trem. Mesmo estando com folga no tempo para chegar ao
encontro, estava torcendo para que o trem não demorasse muito. E por sorte,
assim o foi. Mal atravessou a catraca da estação e um minuto depois veio a
composição com destino a Central do Brasil.
Apesar de ser um sábado, o transporte
ferroviário estava cheio. Havia espaço para se acomodar com um pouco de folga,
mas ainda assim estava lotado. Porém, para alivio de Rodrigo, a composição era
um modelo novo, um de muitos da frota de trens coreanos, e era toda selada, bem
iluminada e com ar condicionado. Rodrigo parou em um canto, e ali ficou. Como
não possuía o habito de ouvir musica em aparelhos de MP3, teve a sensação de
que nunca chegava ao seu destino enquanto a paisagem passava a sua frente,
mudando de aglomerados de casas para morros ermos e de volta para aglomerados
de casas. Foi só depois de aproximadamente uma hora de viagem que ele avistou o
estádio do Maracanã, o que fez com que ele ficasse aliviado, a próxima estação
seria onde ele desceria. Assim que o trem freou, Rodrigo pôde ouvir o chiado da
fricção de metal contra metal. Um instante depois ele saltou do trem. Estava em
São Cristóvão. E apesar do ar gelado da composição ferroviária ser agradável, o
ar ventilado e natural do vento ali fora era ainda mais. Rodrigo inspirou e
deixou que ele preenchesse seus pulmões, depois, soltou-o lentamente. Pena que
quando olhou para o relógio, ficou entediado quando viu que ainda eram apenas
13:00hs. Ainda faltava uma hora até o combinado com Hallek.
Rodrigo deu de ombros e seguiu seu rumo.
Arrumaria o que fazer até lá.
E assim foi.
Rodrigo caminhou por entre a grama verde e
rasteira do parque da Quinta da Boa Vista. Enquanto o fazia, observava as
famílias e casais que por ali estavam, todos curtindo seu final de semana. Ele
andou de um lado ao outro, procurando ignorar a vontade de olhar o relógio em
seu pulso, na expectativa de que já estivesse na hora. Seguiu calmamente
ladeira acima, margeando o rio que cruzava o parque.
Tudo parecia calmo, até que, em certo momento,
Rodrigo sentiu um frio percorrer sua espinha e sentiu-se impelido a olhar de um
canto para outro. Ele estava com a nítida sensação de que havia alguém o
seguindo. Mais alguns passos e ele notou um rapaz andando em sua direção,
mantendo certa distância. A figura era esguia e aparentemente parecia um
roqueiro. Calçava um coturno preto, a calça jeans possuía um rasgo sobre o
joelho esquerdo e a blusa preta, com o desenho de um pentagrama em traços
espessos e brancos, caia-lhe com folga sobre o corpo magro. Rodrigo manteve o
ritmo, procurando não demonstrar nervosismo ou mesmo que havia notado a
presença de seu perseguidor. Rodrigo continuou pela ladeira por mais alguns
metros e depois pegou um desvio que levava para uma área mais fechada do
parque, onde as árvores eram altas e projetavam sombras com seus longos galhos
arborizados; permitindo que muito pouco do sol entrasse por suas folhas.
A área estava deserta.
Rodrigo parou bem no meio, onde a terra batida
tomava o lugar da grama e colocou as mãos nos bolsos.
─ Cara, não sei qual é a sua, mas não creio que
eu possa lhe ajudar.
Rodrigo disse, sem nem olhar para trás.
O homem que o perseguia emitiu um ruído, algo
parecido com uma risada, mas que em nada tinha a ver com uma. Rodrigo se virou
e o viu parado a uns três metros de sua posição.
─ Eu não quero sua ajuda ─ disse o homem, assim
que o olhar de Rodrigo cruzou com o dele.
─ Então espero que tenha um bom motivo para
estar me seguindo ─ disse Rodrigo. ─ Pois você não faz o meu tipo.
O homem cuspiu e riu.
─ Não se preocupe, você também não faz o meu ─
informou. ─ Estou aqui para esmagar seus ossos.
─ E posso saber a mando de quem? Ou pelo menos
o por que?
O homem não respondeu. Leve como o vento,
deslizou no chão, indo em direção a Rodrigo. Quando seu adversário chegou com
punhos cerrados, certo de que iria acertar o alvo, Rodrigo, por instinto,
conseguiu aparar seu soco e, girando na direção contrária, usou o próprio peso
do inimigo para jogá-lo contra o solo. As costas do cara fez um som seco ao
bater contra o solo duro e áspero. Rodrigo se afastou.
─ Olha cara, não sei quem é você e não quero
encrenca ─ Rodrigo disse de modo casual. ─ Por isso, acho melhor você seguir
seu rumo e me deixar em paz.
Bom, Rodrigo não teve tanta sorte assim. O cara
levantou e enquanto estalava os ossos, recuperando postura, Rodrigo pode notar
uma aura preta em volta do corpo dele.
Ah
não, de novo isso!?
O cara partiu novamente pra cima de Rodrigo.
Dessa vez o rapaz não teve a mesma sorte. Seu adversário o acertou com um soco
na boca do estomago assim que o alcançou e em seguida o segurou pelo pescoço,
dificultando sua respiração. Riu, um sorriso perverso, e arremessou Rodrigo
contra uma arvore. Antes de ser arremessado, o garoto teve a impressão de que
os olhos de seu agressor estavam brancos como leite. Não havia nem sinal de sua
íris. Quando sacudiu a cabeça, tentando se recuperar do impacto com a árvore
ficou pensando se não teria imaginado aquilo. Mas então o cara surgiu diante
dele novamente, e Rodrigo viu que não era imaginação sua. Os olhos do cara
estavam vazios; não havia sinal de vida naquele corpo. E a força daquela aura
preta era mórbida, extremamente negativa. As mãos do cara envolveram o pescoço
de Rodrigo novamente. Mas dessa vez Rodrigo reagiu, envolvendo suas mãos em
torno dos pulsos de seu agressor. Ele infligiu o máximo de força que pode na
ação, mas o cara parecia não sentir dor. Desesperado, Rodrigo não pensou duas
vezes e desferiu um chute na lateral do cara, atingindo sua costela. O cara
gemeu e afrouxou o aperto no pescoço dele. Os meses de kiki-boxer haviam valido
apena. Ele aproveitou a oportunidade e atacou novamente; agora com um chute
alto, que acertou em cheio o rosto do cara, que girou no ar, no próprio eixo.
Em seguida, antes mesmo de o corpo cair no chão, ele retraiu a perna para logo
depois esticá-la em um chute pesado, bem no meio dos peitos de seu adversário.
O cara rolou sobre o solo durou e parou a alguns metros a frente de Rodrigo.
Arfante, Rodrigo observou enquanto o peito de
seu adversário subia e descia pesadamente. Bom,
ainda está vivo. Mas acho melhor eu dar um jeito de você não levantar de novo.
Com esse pensamento, Rodrigo deslizou até o corpo caído no chão, e antes que o
cara pudesse se levantar desferiu um soco em um ponto vital, onde não o
mataria, mas o manteria desacordado por algumas horas.
Depois disso, Rodrigo sacudiu a poeira de cima
de sua calça jeans e cuspiu. Endireitou-se e pôs se a andar.
─ Bom, ainda tenho um encontro ─ disse. ─
Espero que de fato alguém possa me explicar o que está acontecendo.
Em silêncio, ele seguiu o caminho até o museu.
Enquanto subia as escadas de acesso, olhou para o relógio, eram 14:05hs. Por um
instante ficou preocupado que não o esperassem caso tivessem chegado antes e
notado que ele não os estava esperando. Mas ficou aliviado ao avistar ao longe,
um homem meio calvo, trajando uma blusa pólo azul, acompanhado de duas
mulheres.
Rodrigo se endireitou e limpou a garganta ao se
aproximar.
─ Vejo que teve um contra-tempo. ─ Disse uma
das mulheres que acompanhavam Hallek. A voz dela era suave e combinava com seu
estilo e sua postura. Apesar do corpo de modelo, moldado por uma blusa verde
esmeralda, com um decote em V sobressaltando o colo dos seios e a calça preta
que valorizava suas curvas, e mesmo o longo cabelo loiro que lhe caia sobre um
dos lados do rosto; ela parecia ser uma mulher inteligente.
─ É, mas aqui estou. E se alguém puder me
explicar o que está acontecendo, serei muito grato. ─ Rodrigo disse, soando
mais ríspido do que gostaria.
O professor sorriu e a outra mulher que o
acompanhava, uma de estatura menor, no máximo 1,5m de altura, que trajava um
vestido tubinho preto tomara que caia, que parava a não mais que quatro dedos
acima dos joelhos, e que tinha uma jaqueta preta por cima, dando um toque de
elegância ao visual, virou-se e olhou para Rodrigo. Ele soube imediatamente
quem era. Não havia nada de diferente em seu rosto em relação a foto que tinha
visto. O mesmo cabelo liso e preto partido ao meio emoldurando o rosto fino. Os
olhos eram ainda mais vivos e intrigantes. Rodrigo não tinha certeza de que
conseguiria ler qualquer expressão no olhar daquela mulher. Mas sabia quem era
ela. Cláudia, a misteriosa garota da foto.
─ Olá, Rodrigo! ─ disse ela, o olhar fixo no do
garoto.
Rodrigo engasgou e ficou sem palavras. Não
sabia o que pensar. O que essa garota tem
a ver com tudo isso? O pensamento passou por sua mente como um raio
atordoando seu raciocínio.
O garoto respirou fundo, e por fim a
cumprimentou.
─ Olá... Cláudia! ─ Sua voz saiu com certa
insegurança.
Ela sorriu em retribuição e alguma coisa em seu
sorriso deixou o ambiente mais leve. Se era alguma magia, Rodrigo não sabia.
A outra mulher, a loira alta, limpou a
garganta, atraindo a atenção de todos.
─ Cláudia ─ disse ─, acho melhor sairmos daqui.
Cláudia fez que sim com a cabeça, parecendo
concordar com a amiga. Em seguida olhou para Hallek, que diante delas parecia
não falar muito.
─ O que acha, devemos levar seu aluno a um
lugar mais reservado?
Havia algo no tom de voz dela que a tornava
diferente. Mas Rodrigo não sabia interpretar o que era. Poderia ser a maciez em
seu tom ou mesmo a forma pausada como se expressava.
Hallek fechou os olhos, provavelmente
processando a pergunta. Depois os abriu, e olhando para Rodrigo, disse:
─ Certamente! Aqui não é mais conveniente para
conversarmos com nosso convidado.
Rodrigo arqueou uma das sobrancelhas.
─ Venha ─ disse Cláudia, e se virou em direção
as escadas por onde Rodrigo havia subido. O professor e a outra mulher a
seguiram. Rodrigo fez o mesmo.
***
Depois
de saírem da Quinta da Boa Vista, eles contornaram o parque e pegaram um taxi
no primeiro ponto. O carro andou por entre as ruas do bairro e quando Rodrigo
percebeu, estava praticamente no pé do Morro da Mangueira, um dos maiores
berços do samba da cidade do Rio de Janeiro. O veículo fez à volta em uma praça
circular e parou diante de um sobrado. A construção era antiga e apresentava
sinais do tempo, como rachaduras e alguns mofos ao longo das bordas que
delimitavam o primeiro e o segundo andar. Após Hallek pagar ao motorista, o
grupo desceu. O carro saiu em seguida.
Em silêncio, eles entraram na construção.
Rodrigo foi o terceiro a atravessar a porta de madeira velha, que assim como o
resto do prédio já não estava mais em perfeito estado; Hallek vinha logo atrás.
Para surpresa do garoto, o interior do prédio era extremamente o inverso do
exterior. Enquanto adentrava o recinto, Rodrigo seguia Cláudia e sua amiga por
uma escada de concreto, decorada com mármore cor de ônix e ladeada por uma
parede branca sem qualquer sinal de rachaduras. Uma pintura lisa e opaca. Ao
final da escada, eles atravessaram mais uma porta, que também era diferente da
primeira; era de madeira de lei, envernizada e pintada de cor de terra, e tão
nova quanto as paredes do interior do prédio. Ela era ornamentada com símbolos
entalhados em sua superfície, eles pareciam fazer parte dela. Rodrigo soltou o
ar dos pulmões, só então percebendo que estava segurando a respiração. A porta
dava em uma ampla sala, ele pode notar, assim que a luz inundou o ambiente. Um
cômodo com três poltronas de coro preto, uma de dois lugares, outra com três e
outra para apenas uma pessoa. Cláudia se acomodou nessa. Sua amiga loira e
alta, parou ao seu lado direito, permanecendo de pé. Claudia então indicou que
Rodrigo sentasse em uma das outras. Ele o fez, escolhendo a de dois lugares.
Hallek agora estava posicionado do lado esquerdo de Cláudia, também se mantendo
de pé.
Rodrigo não esperou que ninguém falasse, ele
começou antes. Talvez por já esta injuriado de pensar que estava ficando louco.
E talvez estivesse; com esse lace todo de vozes em sua cabeça, cartas pegando
fogo sozinhas, e borrões pretos flutuando ao redor de pessoas, isso não seria
de se surpreender se fosse o caso. Mas o trio a sua frente parecia indicar que
não era loucura o que o cercava. Ainda mais depois do ultimo incidente na
Quinta da Boa Vista.
─ Bom, eu estou aqui ─ disse. ─ Afinal, o que
está acontecendo? E como você fez aquele lance ─ Rodrigo bateu de leve, com o
dedo indicador do lado da cabeça na altura do cérebro, estava olhando para
Hallek ─, aquela coisa de falar dentro da minha cabeça como se fosse o
professor Xavier dos X-men?
Hallek sorriu.
─ Digamos que temos habilidades parecidas.
Rodrigo arqueou uma das sobrancelhas.
─ Ta querendo me dizer que você é um mutante?
Hallek balançou a cabeça.
─ Se eu for, então, diria que você também é.
Rodrigo abriu a boca, mas voltou a fechá-la.
Parecia incrédulo diante de tal argumento. Não sabia exatamente o que contra
argumentar.
Cláudia aproveitou esse momento e tomou a
palavra para si.
─ Meu caro Rodrigo, não fique tão espantado.
Acostume-se, o mundo não é o que parece ser. ─ disse, e aquele tom estranho e
sedutor continuava em sua voz. ─ Hallek é humano. Ele não é uma dessas
criaturas saídas dos quadrinhos que você gosta de ler. Apesar de que, seus
poderes são bastante semelhantes. Mas sim, ele é um telepata. Ainda que sua
habilidade mental não se limite a ler pensamentos.
Rodrigo continuou em silêncio, absorvendo o que
Cláudia dizia. Mas antes de ir adiante, ela olhou para sua amiga e fez um
pedido. Foi só então que Rodrigo soube o nome dela.
─ Katarina ─ disse Cláudia ─, que tal nos
preparar algo?
A loira aquiesceu e fez uma mesura, depois se
retirou, atravessando uma cortina e sumindo de vista. Cláudia então voltou sua
atenção novamente para Rodrigo.
─ Pedi que Hallek o chama-se aqui justamente
por que você, assim como ele, também possui uma habilidade ─ disse ela. ─ E
também já sabemos que você foi procurado por outros. ─ Cláudia sorriu,
provavelmente notando a surpresa nos olhos de Rodrigo. ─ Mas diferente deles,
nós temos uma proposta para lhe fazer.
Enquanto Rodrigo processava a informação,
Cláudia descruzou e cruzou novamente as pernas. Ela era toda paciência e
serenidade e sensualidade. Parecia ter todo tempo do mundo.
─ E que tipo de proposta seria? ─ por fim ele
perguntou. ─ E, por que acham que eu iria me interessar?
Cláudia apenas observou, foi Hallek quem falou
dessa vez.
─ Seu amigo corre perigo, e isso nós já sabemos
que você sabe. ─ começou ele ─ Mas Cláudia pode ajudar. Aceitar ou não, isso
depende de você.
─ Mas afinal de contas, por que Hander corre
perigo? Perigo do quê?
─ Como já foi dito ┴ Hallek prosseguiu ─, o
mundo não é o que parece. A realidade está cercada por, digamos, fendas
dimensionais. Nosso mundo é permeado por outras realidades. E principalmente:
os humanos não são os únicos caminhando sobre a terra.
─ E do que exatamente estamos falando? ─
Rodrigo perguntou.
─ Tudo aquilo que os humanos acham que é apenas
fruto de sua imaginação, é mais real do que podem perceber ─ Hallek explicou. ─
Vampiros, magos, lobisomens, dragões, e estes são apenas alguns exemplos; são
mais do que reais em seu mundo. Caminham lado a lado com vocês; e vocês não
fazem a menor idéia disso. Mas claro, não podemos culpá-los, existem aqueles
que ajudam a manter isso em segredo, controlando tudo aquilo que foge ao
controle do convencional.
─ E onde nós ─ Rodrigo indicou a si próprio e
ao professor e Cláudia em seguida ─, nos encaixamos nisso tudo?
Hallek sorriu e colocou uma das mãos sobre o
encosto da poltrona de Cláudia. Aquilo pareceu ser um sinal, pois ela falou
logo depois.
─ Minha família é antiga e vem cumprindo parte
deste papel a eras ─ explicou. ─ Mas descobrimos que não somos os únicos.
Pessoas como seu amigo Hander, também parecem fazê-lo. Mas isso não nos
incomoda. O que importa nesse momento, é que podemos nos ajudar ─ ela
continuou, e seu olhar continuava firme em Rodrigo. ─ Posso ajudá-lo a proteger
seu amigo do que está por vir. Em troca, peço apenas que trabalhe para a
Irmandade.
Houve uma pausa, mas Rodrigo gesticulou para
que Cláudia continuasse.
─ Ainda estou ouvindo.
─ Vamos lhe ensinar a controlar a habilidade
que você possui ─ recomeçou ela ─, e daremos o apoio que for necessário para
proteger seu amigo. Além disso, você também terá onde treinar suas habilidades
físicas e mentais. Como contrapartida, será nosso agente. Irá cumprir pequenas
missões para nós.
─ Como, por exemplo? ─ Rodrigo quis saber. Sua
curiosidade começava a falar mais alto.
─ Rastrear artefatos antigos, caçar criaturas
que estejam soltas pela noite causando desequilíbrio a realidade e outras
pequenas tarefas do gênero. ─ Cláudia disse, e sorriu com o canto da boca.
Rodrigo absorveu a informação. Deixou que seu
cérebro processasse cada palavra que lhe havia sido dita. E Cláudia e Hallek
respeitaram esse momento, nenhum deles falou. Ficaram aguardando.
Nesse meio tempo, Katarina voltou. Trazia uma
bandeja. Sobre ela, um bule de porcelana e quatro xícaras do mesmo material.
Ela parou no meio da sala e, apoiando a bandeja sobre a mesinha de centro,
serviu cada uma das xícaras. Depois, entregou uma para cada um.
Rodrigo fixou o olhar no conteúdo de sua
xícara, um líquido escuro, que exalava um aroma doce, e sem tirar os olhos
dali, falou.
─ Tudo bem, não tenho por que não acreditar em
tudo isso ─ comentou, e parecia cansado. ─ Mas, digamos que, eu não queira me
envolver, eu teria essa opção?
Claudia balançou a cabeça.
─ Sinto muito ─ disse. ─ Ou você tem nossa
ajuda, ou está sozinho. Mas queira você ou não, já está envolvido.
Rodrigo sentia-se consumido por tudo aquilo. Em
sua mente, a pergunta retórica o perturbava: por que eu?
Hallek pareceu perceber seu dilema. Talvez
estivesse monitorando seus pensamentos, Rodrigo não tinha como saber. Mas
procurou prestar atenção nas palavras oferecidas pelo professor.
─ Rodrigo ─ disse o professor ─, acredite, não
existe coincidência. Todos nós estamos conectados. É assim que gira a roda da
vida. Conhecemos quem precisamos conhecer, para exercermos nosso papel,
saibamos ou não qual ele é.
Cláudia observava Rodrigo com interesse. Não parecia
preocupada em se ele iria ou não aceitar sua proposta. Apenas curiosa em saber
o que o garoto iria decidir.
Rodrigo inspirou e liberou o ar. O fez de forma
lenta, controlando os batimentos do coração que teimavam em sair do compasso.
─ Ok! ─ ele disse por fim, e pode notar um
principio de sorriso tentando ganhar os lábios de Cláudia. ─ Aceitarei sua
oferta. Mas devo deixar claro que, isso é apenas uma troca, por Hander. Se
algum dia eu tiver que escolher um lado, o seu ou o dele... ─ Rodrigo fez uma
pausa, encarando Cláudia com seriedade ─ Espero que saiba que minha lealdade
está com Hander.
Rodrigo olhou de Cláudia para Hallek e dele
para Katarina, sustentando o olhar, fazendo o possível para mostrar respeito e
também deixar bem claro o quanto estava decidido. E ambos os três, pareciam
satisfeitos com a resposta dele.
─ Tudo bem ─ Cláudia acrescentou, provavelmente
tentando demonstrar com palavras o que seu rosto procurava dizer. ─ Aceitarei
essa condição. Espero que seu amigo saiba o valor dessa amizade.
Rodrigo não replicou. Sabia o quanto sua
amizade com Hander era verdadeira. E isso era o que importava. Mas a conversa
ainda não havia terminado. Rodrigo sabia.
─ Agora me expliquem, afinal, que perigo
espreita meu amigo. Acredito que exista algo especifico, do contrário, nem
aquela dupla e nem vocês, teriam me procurado.
O trio a sua frente trocou um olhar entre si e
por fim, como que se tivessem chegado a um acordo silencioso, Katarina falou.
─ Seu amigo, Hander, ele vem de uma das muitas
realidades que cercam a nossa ─ começou.
─ Ele vem do mundo Pré-Mortal. Ele está aqui cumprindo um castigo pelo que
sabemos. Mas sua alma guarda poderes tão grandiosos, que começa a interferir no
equilíbrio da existência. E pelas informações que conseguimos colher, existe
alguém muito interessado nesse poder. ─ A voz de Katarina era suave como a de
Cláudia, e ela olhava diretamente nos olhos de Rodrigo enquanto falava. ─ Seu
nome é Guirana. Ao que tudo indica, ela é uma feiticeira e pertence ao mesmo
mundo que seu amigo. Não sabemos como e nem quando, mas temos certeza de que
ela irá surgir aqui, no nosso mundo, atrás de Hander. ─ Explicou ─ E foi
justamente por esse motivo, que aquele casal o procurou, pedindo que você
ficasse de olho em Hander.
Katarina não sabia, mas tinha acabado de dar a
Rodrigo, uma explicação que só agora ele percebia que não havia recebido do
casal. Mas ele continuou em silêncio, escutando, a mulher parecia ter mais a
dizer.
─ Além disso, uma profecia acompanha o destino
de seu amigo. Ninguém sabe ao certo o poder das palavras encerradas nela e nem
se de fato ela tem poder para acontecer. Mas isso também nos preocupa. Pois
envolve o destino do mundo como o conhecemos. ─ Profecias eram perigosas,
Rodrigo sabia. E o fato de uma cercar seu amigo, o deixava ainda mais
preocupado. Mas ele continuava apenas escutando. ─ Mas não se preocupe, agora
que está aliado a nós, há uma chance de que possamos controlar os eventos que
estão a caminho.
Katarina deixou escapar um sorriso. Rodrigo não
gostou, apesar de ter achado aquilo extremamente sensual; mas apenas observou,
guardando para si o receio. Ficaria de olhos bem abertos.
─ Ok! ─ disse por fim. ─ Farei a minha parte.
Espero que possamos impedir essa coisa toda de acontecer. Agora, se me dão
licença ─ ele olhou para o relógio no pulso ─, preciso ir. Acho que por hoje é
o suficiente.
Cláudia aquiesceu.
─ De acordo ─ respondeu ela. ─ Manteremos
contato. Agora, vá e descanse. Sua jornada está apenas começando.
Rodrigo cumprimentou a todos na sala e se
dirigiu a saída. Katarina o acompanhou.
─ Boa sorte! ─ ela disse, como se ele estivesse
saindo em missão. Piscou e deixou um beijo flutuar no ar. Depois, fechou a
porta, sumindo atrás dela.
Rodrigo agora estava de pé,
na frente do sobrado, olhando para a praça a sua volta. Seus pensamentos
estavam uma bagunça. Mas ele sabia que aquilo só iria piorar. E pior, sabia que
tinha feito a escolha certa. Mas sabia que está, era a escolha errada. Mas o
que está feito está feito. Ele agora precisava seguir adiante. Seu amigo
precisaria de ajuda. E ele estaria lá quando de fato fosse necessário.