segunda-feira, 14 de março de 2016

O Humano e a Irmandade - Parte III - Decisão

Olá! Como você pôde ver no ultimo texto, Rodrigo começa a não ter mais como negar os fatos. As coisas que presenciou até o momento o deixam inquieto. Ele percebe que precisa fazer alguma coisa.
E é o que ele irá fazer.
Venha comigo e conheça o desfecho dessa narrativa que nos apresenta um pouco mais de como Rodrigo embarcou na trama de Pré-Mortais.


***

Durante a noite, jogado em sua cama, olhando distraidamente para o teto, Rodrigo ficou se perguntando o que teria sido aquela voz. E por que teria visto tanto aquele borrão preto ao lado do garoto e a aura vermelha em volta do amigo. Nada daquilo era normal. Muito menos fazia sentido.
Mas agora o que aquele casal havia dito, parecia ser verdade. A vida de Hander corria perigo.
Rodrigo rolou de um lado a outro e sono não veio. Estava difícil relaxar aquela noite, depois de tudo aquilo. Ele saiu da cama e foi para a janela. Abrindo-a, deixando o ar entrar. Depois, debruçou-se sobre o batente e ficou observando o céu, que estava estrelado, apesar de estar sem lua.
Fazer isso sempre lhe trazia alguma paz e um pouco de calma.

Rodrigo!

Foi então que uma voz o chamou e ele olhou para trás, na direção da porta de seu quarto. Mas ela continuava fechada.

Rodrigo!

Novamente ele ouviu o chamarem. Dessa vez ele olhou pela janela afora, procurando por alguém, acreditando que pudesse ser alguma pessoa do lado de fora. Mas nada. Não havia ninguém.
─ Será que estou ouvindo coisas? ─ Rodrigo disse para si mesmo. Mas então a voz veio novamente. E ele percebeu que ela ecoava em sua mente. Ela vinha de dentro e não de fora.

Rodrigo! Preciso lhe encontrar. Tem alguém que precisa conhecer.

─ Ah não, para! Me colocaram num filme de mutantes e esqueceram de me informar? ─ O garoto murmurou, constrangido com a situação. ─ Quem é você? O professor Xavier?

Rodrigo ouviu algo parecido com uma risada ecoar em sua mente.

Não meu caro. Sou um amigo e você me conhece. Você gosta de me chamar de Hallek.

A respiração de Rodrigo congelou. Aquilo não podia estar acontecendo. E como se estivesse lendo sua mente, o que de fato estava; dadas as circunstancias, a voz de Hallek ecoou novamente.

Ah, mas é possível sim. Onde está aquele aluno curioso que me procurou dias atrás? Achei que ele acreditasse no sobrenatural.

─ Ok! Vou parar com o meu ceticismo. Já aconteceram coisas demais pra eu continuar com isso. ─ Rodrigo finalmente cedia aos fatos. ─ Onde lhe encontro? Quando?

Vá a Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, depois de amanhã, sábado. Hallek disse. Esteja na entrada do museu às 14:00hs.

─ Tudo bem ─ disse. ─ Estarei lá.

Nós o aguardaremos.

Depois disso, Rodrigo voltou a ter apenas a companhia do silêncio da noite. Ainda olhando pela janela, ele agora podia ver a lua ganhando altura, cheia e brilhante, preenchendo o céu noturno.

***

A sexta-feira veio e foi embora e tudo correu como se nada tivesse acontecido no dia anterior. Claro, Rodrigo notou os garotos olharem de esguelha durante boa parte do dia para ele e Hander, mas ninguém implicou ou mexeu com eles. Todos mantiveram distância, como já o faziam comumente.
No sábado, Rodrigo acordou cedo, às 05:00hs da manhã. Deixou que seu dia começasse com uma corrida de 15min em volta do campo de terra batida que havia no conjunto onde morava. Mesmo o exercício desgastante para o corpo não o livrou da ansiedade que o seguia. Dessa forma, a manhã custou a passar. Então, de banho tomado e barriga cheia e já impaciente de esperar, às 10:00hs, Rodrigo saiu de casa. Precisava se colocar em movimento para não pirar enquanto esperava.
Como não tinha ninguém em casa, decidiu por não deixar qualquer recado. Estava apenas indo a Quinta da Boa Vista e nada de ruim poderia acontecer nesse intervalo. Pelo menos era o que ele esperava. Mesmo com toda a confusão que andava a rodeá-lo ultimamente. Afinal, depois de encontrar com um garoto que controla o fogo e uma garota que manipula o vento, ver seu amigo rodeado por uma energia estranha e ter sua mente invadida por seu professor de filosofia, ele não sabia mais ao certo o que esperar. Mas deu de ombros e partiu.
Pra sorte dele, o transporte alternativa na Zona Oeste é igual uma praga e existe aos montes com seus cobradores gritando seus destinos enquanto colocam suas cabeças para fora dos veículos, arriscando as próprias vidas. Logo, mal colocou o pé no ponto e um desses surgiu, com um rapaz franzino, de pele negra e o cabelo pintado de loiro, gritando com todo o potencial de suas cordas vocais:
RODOVIÁRIA DE CAMPO GRANDE, DETRAN, TEM VAGA!
Rodrigo, que era como um grande prêmio de percurso assim como todos os passageiros pelo caminho; foi praticamente enlaçado pelo cobrador e jogado para dentro da van. Em seguida, o motorista pareceu enterrar o pé no acelerador e prosseguiu com a viagem. Quando o transporte alternativo chegou à altura do calçadão de Campo Grande, Rodrigo deu graças a Deus mentalmente por descer e se livrar do som irritante de funk que o motorista havia feito o favor de colocar no ultimo volume, não respeitando o fato de que ninguém é obrigado a escutar o que ele curte. Afinal, em um transporte publico viajam pessoas com diversas culturas e gostos musicais.
Rodrigo olhou para o relógio e percebeu que tinha levado apenas 10min para chegar a Campo Grande. Seguiu pelo calçadão em direção a estação de trem. Mesmo estando com folga no tempo para chegar ao encontro, estava torcendo para que o trem não demorasse muito. E por sorte, assim o foi. Mal atravessou a catraca da estação e um minuto depois veio a composição com destino a Central do Brasil.
Apesar de ser um sábado, o transporte ferroviário estava cheio. Havia espaço para se acomodar com um pouco de folga, mas ainda assim estava lotado. Porém, para alivio de Rodrigo, a composição era um modelo novo, um de muitos da frota de trens coreanos, e era toda selada, bem iluminada e com ar condicionado. Rodrigo parou em um canto, e ali ficou. Como não possuía o habito de ouvir musica em aparelhos de MP3, teve a sensação de que nunca chegava ao seu destino enquanto a paisagem passava a sua frente, mudando de aglomerados de casas para morros ermos e de volta para aglomerados de casas. Foi só depois de aproximadamente uma hora de viagem que ele avistou o estádio do Maracanã, o que fez com que ele ficasse aliviado, a próxima estação seria onde ele desceria. Assim que o trem freou, Rodrigo pôde ouvir o chiado da fricção de metal contra metal. Um instante depois ele saltou do trem. Estava em São Cristóvão. E apesar do ar gelado da composição ferroviária ser agradável, o ar ventilado e natural do vento ali fora era ainda mais. Rodrigo inspirou e deixou que ele preenchesse seus pulmões, depois, soltou-o lentamente. Pena que quando olhou para o relógio, ficou entediado quando viu que ainda eram apenas 13:00hs. Ainda faltava uma hora até o combinado com Hallek.
Rodrigo deu de ombros e seguiu seu rumo. Arrumaria o que fazer até lá.
E assim foi.
Rodrigo caminhou por entre a grama verde e rasteira do parque da Quinta da Boa Vista. Enquanto o fazia, observava as famílias e casais que por ali estavam, todos curtindo seu final de semana. Ele andou de um lado ao outro, procurando ignorar a vontade de olhar o relógio em seu pulso, na expectativa de que já estivesse na hora. Seguiu calmamente ladeira acima, margeando o rio que cruzava o parque.
Tudo parecia calmo, até que, em certo momento, Rodrigo sentiu um frio percorrer sua espinha e sentiu-se impelido a olhar de um canto para outro. Ele estava com a nítida sensação de que havia alguém o seguindo. Mais alguns passos e ele notou um rapaz andando em sua direção, mantendo certa distância. A figura era esguia e aparentemente parecia um roqueiro. Calçava um coturno preto, a calça jeans possuía um rasgo sobre o joelho esquerdo e a blusa preta, com o desenho de um pentagrama em traços espessos e brancos, caia-lhe com folga sobre o corpo magro. Rodrigo manteve o ritmo, procurando não demonstrar nervosismo ou mesmo que havia notado a presença de seu perseguidor. Rodrigo continuou pela ladeira por mais alguns metros e depois pegou um desvio que levava para uma área mais fechada do parque, onde as árvores eram altas e projetavam sombras com seus longos galhos arborizados; permitindo que muito pouco do sol entrasse por suas folhas.
A área estava deserta.
Rodrigo parou bem no meio, onde a terra batida tomava o lugar da grama e colocou as mãos nos bolsos.
─ Cara, não sei qual é a sua, mas não creio que eu possa lhe ajudar.
Rodrigo disse, sem nem olhar para trás.
O homem que o perseguia emitiu um ruído, algo parecido com uma risada, mas que em nada tinha a ver com uma. Rodrigo se virou e o viu parado a uns três metros de sua posição.
─ Eu não quero sua ajuda ─ disse o homem, assim que o olhar de Rodrigo cruzou com o dele.
─ Então espero que tenha um bom motivo para estar me seguindo ─ disse Rodrigo. ─ Pois você não faz o meu tipo.
O homem cuspiu e riu.
─ Não se preocupe, você também não faz o meu ─ informou. ─ Estou aqui para esmagar seus ossos.
─ E posso saber a mando de quem? Ou pelo menos o por que?
O homem não respondeu. Leve como o vento, deslizou no chão, indo em direção a Rodrigo. Quando seu adversário chegou com punhos cerrados, certo de que iria acertar o alvo, Rodrigo, por instinto, conseguiu aparar seu soco e, girando na direção contrária, usou o próprio peso do inimigo para jogá-lo contra o solo. As costas do cara fez um som seco ao bater contra o solo duro e áspero. Rodrigo se afastou.
─ Olha cara, não sei quem é você e não quero encrenca ─ Rodrigo disse de modo casual. ─ Por isso, acho melhor você seguir seu rumo e me deixar em paz.
Bom, Rodrigo não teve tanta sorte assim. O cara levantou e enquanto estalava os ossos, recuperando postura, Rodrigo pode notar uma aura preta em volta do corpo dele.
Ah não, de novo isso!?
O cara partiu novamente pra cima de Rodrigo. Dessa vez o rapaz não teve a mesma sorte. Seu adversário o acertou com um soco na boca do estomago assim que o alcançou e em seguida o segurou pelo pescoço, dificultando sua respiração. Riu, um sorriso perverso, e arremessou Rodrigo contra uma arvore. Antes de ser arremessado, o garoto teve a impressão de que os olhos de seu agressor estavam brancos como leite. Não havia nem sinal de sua íris. Quando sacudiu a cabeça, tentando se recuperar do impacto com a árvore ficou pensando se não teria imaginado aquilo. Mas então o cara surgiu diante dele novamente, e Rodrigo viu que não era imaginação sua. Os olhos do cara estavam vazios; não havia sinal de vida naquele corpo. E a força daquela aura preta era mórbida, extremamente negativa. As mãos do cara envolveram o pescoço de Rodrigo novamente. Mas dessa vez Rodrigo reagiu, envolvendo suas mãos em torno dos pulsos de seu agressor. Ele infligiu o máximo de força que pode na ação, mas o cara parecia não sentir dor. Desesperado, Rodrigo não pensou duas vezes e desferiu um chute na lateral do cara, atingindo sua costela. O cara gemeu e afrouxou o aperto no pescoço dele. Os meses de kiki-boxer haviam valido apena. Ele aproveitou a oportunidade e atacou novamente; agora com um chute alto, que acertou em cheio o rosto do cara, que girou no ar, no próprio eixo. Em seguida, antes mesmo de o corpo cair no chão, ele retraiu a perna para logo depois esticá-la em um chute pesado, bem no meio dos peitos de seu adversário. O cara rolou sobre o solo durou e parou a alguns metros a frente de Rodrigo.
Arfante, Rodrigo observou enquanto o peito de seu adversário subia e descia pesadamente. Bom, ainda está vivo. Mas acho melhor eu dar um jeito de você não levantar de novo. Com esse pensamento, Rodrigo deslizou até o corpo caído no chão, e antes que o cara pudesse se levantar desferiu um soco em um ponto vital, onde não o mataria, mas o manteria desacordado por algumas horas.
Depois disso, Rodrigo sacudiu a poeira de cima de sua calça jeans e cuspiu. Endireitou-se e pôs se a andar.
─ Bom, ainda tenho um encontro ─ disse. ─ Espero que de fato alguém possa me explicar o que está acontecendo.
Em silêncio, ele seguiu o caminho até o museu. Enquanto subia as escadas de acesso, olhou para o relógio, eram 14:05hs. Por um instante ficou preocupado que não o esperassem caso tivessem chegado antes e notado que ele não os estava esperando. Mas ficou aliviado ao avistar ao longe, um homem meio calvo, trajando uma blusa pólo azul, acompanhado de duas mulheres.
Rodrigo se endireitou e limpou a garganta ao se aproximar.
─ Vejo que teve um contra-tempo. ─ Disse uma das mulheres que acompanhavam Hallek. A voz dela era suave e combinava com seu estilo e sua postura. Apesar do corpo de modelo, moldado por uma blusa verde esmeralda, com um decote em V sobressaltando o colo dos seios e a calça preta que valorizava suas curvas, e mesmo o longo cabelo loiro que lhe caia sobre um dos lados do rosto; ela parecia ser uma mulher inteligente.
─ É, mas aqui estou. E se alguém puder me explicar o que está acontecendo, serei muito grato. ─ Rodrigo disse, soando mais ríspido do que gostaria.
O professor sorriu e a outra mulher que o acompanhava, uma de estatura menor, no máximo 1,5m de altura, que trajava um vestido tubinho preto tomara que caia, que parava a não mais que quatro dedos acima dos joelhos, e que tinha uma jaqueta preta por cima, dando um toque de elegância ao visual, virou-se e olhou para Rodrigo. Ele soube imediatamente quem era. Não havia nada de diferente em seu rosto em relação a foto que tinha visto. O mesmo cabelo liso e preto partido ao meio emoldurando o rosto fino. Os olhos eram ainda mais vivos e intrigantes. Rodrigo não tinha certeza de que conseguiria ler qualquer expressão no olhar daquela mulher. Mas sabia quem era ela. Cláudia, a misteriosa garota da foto.
─ Olá, Rodrigo! ─ disse ela, o olhar fixo no do garoto.
Rodrigo engasgou e ficou sem palavras. Não sabia o que pensar. O que essa garota tem a ver com tudo isso? O pensamento passou por sua mente como um raio atordoando seu raciocínio.
O garoto respirou fundo, e por fim a cumprimentou.
─ Olá... Cláudia! ─ Sua voz saiu com certa insegurança.
Ela sorriu em retribuição e alguma coisa em seu sorriso deixou o ambiente mais leve. Se era alguma magia, Rodrigo não sabia.
A outra mulher, a loira alta, limpou a garganta, atraindo a atenção de todos.
─ Cláudia ─ disse ─, acho melhor sairmos daqui.
Cláudia fez que sim com a cabeça, parecendo concordar com a amiga. Em seguida olhou para Hallek, que diante delas parecia não falar muito.
─ O que acha, devemos levar seu aluno a um lugar mais reservado?
Havia algo no tom de voz dela que a tornava diferente. Mas Rodrigo não sabia interpretar o que era. Poderia ser a maciez em seu tom ou mesmo a forma pausada como se expressava.
Hallek fechou os olhos, provavelmente processando a pergunta. Depois os abriu, e olhando para Rodrigo, disse:
─ Certamente! Aqui não é mais conveniente para conversarmos com nosso convidado.
Rodrigo arqueou uma das sobrancelhas.
─ Venha ─ disse Cláudia, e se virou em direção as escadas por onde Rodrigo havia subido. O professor e a outra mulher a seguiram. Rodrigo fez o mesmo.

***

Depois de saírem da Quinta da Boa Vista, eles contornaram o parque e pegaram um taxi no primeiro ponto. O carro andou por entre as ruas do bairro e quando Rodrigo percebeu, estava praticamente no pé do Morro da Mangueira, um dos maiores berços do samba da cidade do Rio de Janeiro. O veículo fez à volta em uma praça circular e parou diante de um sobrado. A construção era antiga e apresentava sinais do tempo, como rachaduras e alguns mofos ao longo das bordas que delimitavam o primeiro e o segundo andar. Após Hallek pagar ao motorista, o grupo desceu. O carro saiu em seguida.
Em silêncio, eles entraram na construção. Rodrigo foi o terceiro a atravessar a porta de madeira velha, que assim como o resto do prédio já não estava mais em perfeito estado; Hallek vinha logo atrás. Para surpresa do garoto, o interior do prédio era extremamente o inverso do exterior. Enquanto adentrava o recinto, Rodrigo seguia Cláudia e sua amiga por uma escada de concreto, decorada com mármore cor de ônix e ladeada por uma parede branca sem qualquer sinal de rachaduras. Uma pintura lisa e opaca. Ao final da escada, eles atravessaram mais uma porta, que também era diferente da primeira; era de madeira de lei, envernizada e pintada de cor de terra, e tão nova quanto as paredes do interior do prédio. Ela era ornamentada com símbolos entalhados em sua superfície, eles pareciam fazer parte dela. Rodrigo soltou o ar dos pulmões, só então percebendo que estava segurando a respiração. A porta dava em uma ampla sala, ele pode notar, assim que a luz inundou o ambiente. Um cômodo com três poltronas de coro preto, uma de dois lugares, outra com três e outra para apenas uma pessoa. Cláudia se acomodou nessa. Sua amiga loira e alta, parou ao seu lado direito, permanecendo de pé. Claudia então indicou que Rodrigo sentasse em uma das outras. Ele o fez, escolhendo a de dois lugares. Hallek agora estava posicionado do lado esquerdo de Cláudia, também se mantendo de pé.
Rodrigo não esperou que ninguém falasse, ele começou antes. Talvez por já esta injuriado de pensar que estava ficando louco. E talvez estivesse; com esse lace todo de vozes em sua cabeça, cartas pegando fogo sozinhas, e borrões pretos flutuando ao redor de pessoas, isso não seria de se surpreender se fosse o caso. Mas o trio a sua frente parecia indicar que não era loucura o que o cercava. Ainda mais depois do ultimo incidente na Quinta da Boa Vista.
─ Bom, eu estou aqui ─ disse. ─ Afinal, o que está acontecendo? E como você fez aquele lance ─ Rodrigo bateu de leve, com o dedo indicador do lado da cabeça na altura do cérebro, estava olhando para Hallek ─, aquela coisa de falar dentro da minha cabeça como se fosse o professor Xavier dos X-men?
Hallek sorriu.
─ Digamos que temos habilidades parecidas.
Rodrigo arqueou uma das sobrancelhas.
─ Ta querendo me dizer que você é um mutante?
Hallek balançou a cabeça.
─ Se eu for, então, diria que você também é.
Rodrigo abriu a boca, mas voltou a fechá-la. Parecia incrédulo diante de tal argumento. Não sabia exatamente o que contra argumentar.
Cláudia aproveitou esse momento e tomou a palavra para si.
─ Meu caro Rodrigo, não fique tão espantado. Acostume-se, o mundo não é o que parece ser. ─ disse, e aquele tom estranho e sedutor continuava em sua voz. ─ Hallek é humano. Ele não é uma dessas criaturas saídas dos quadrinhos que você gosta de ler. Apesar de que, seus poderes são bastante semelhantes. Mas sim, ele é um telepata. Ainda que sua habilidade mental não se limite a ler pensamentos.
Rodrigo continuou em silêncio, absorvendo o que Cláudia dizia. Mas antes de ir adiante, ela olhou para sua amiga e fez um pedido. Foi só então que Rodrigo soube o nome dela.
─ Katarina ─ disse Cláudia ─, que tal nos preparar algo?
A loira aquiesceu e fez uma mesura, depois se retirou, atravessando uma cortina e sumindo de vista. Cláudia então voltou sua atenção novamente para Rodrigo.
─ Pedi que Hallek o chama-se aqui justamente por que você, assim como ele, também possui uma habilidade ─ disse ela. ─ E também já sabemos que você foi procurado por outros. ─ Cláudia sorriu, provavelmente notando a surpresa nos olhos de Rodrigo. ─ Mas diferente deles, nós temos uma proposta para lhe fazer.
Enquanto Rodrigo processava a informação, Cláudia descruzou e cruzou novamente as pernas. Ela era toda paciência e serenidade e sensualidade. Parecia ter todo tempo do mundo.
─ E que tipo de proposta seria? ─ por fim ele perguntou. ─ E, por que acham que eu iria me interessar?
Cláudia apenas observou, foi Hallek quem falou dessa vez.
─ Seu amigo corre perigo, e isso nós já sabemos que você sabe. ─ começou ele ─ Mas Cláudia pode ajudar. Aceitar ou não, isso depende de você.
─ Mas afinal de contas, por que Hander corre perigo? Perigo do quê?
─ Como já foi dito ┴ Hallek prosseguiu ─, o mundo não é o que parece. A realidade está cercada por, digamos, fendas dimensionais. Nosso mundo é permeado por outras realidades. E principalmente: os humanos não são os únicos caminhando sobre a terra.
─ E do que exatamente estamos falando? ─ Rodrigo perguntou.
─ Tudo aquilo que os humanos acham que é apenas fruto de sua imaginação, é mais real do que podem perceber ─ Hallek explicou. ─ Vampiros, magos, lobisomens, dragões, e estes são apenas alguns exemplos; são mais do que reais em seu mundo. Caminham lado a lado com vocês; e vocês não fazem a menor idéia disso. Mas claro, não podemos culpá-los, existem aqueles que ajudam a manter isso em segredo, controlando tudo aquilo que foge ao controle do convencional.
─ E onde nós ─ Rodrigo indicou a si próprio e ao professor e Cláudia em seguida ─, nos encaixamos nisso tudo?
Hallek sorriu e colocou uma das mãos sobre o encosto da poltrona de Cláudia. Aquilo pareceu ser um sinal, pois ela falou logo depois.
─ Minha família é antiga e vem cumprindo parte deste papel a eras ─ explicou. ─ Mas descobrimos que não somos os únicos. Pessoas como seu amigo Hander, também parecem fazê-lo. Mas isso não nos incomoda. O que importa nesse momento, é que podemos nos ajudar ─ ela continuou, e seu olhar continuava firme em Rodrigo. ─ Posso ajudá-lo a proteger seu amigo do que está por vir. Em troca, peço apenas que trabalhe para a Irmandade.
Houve uma pausa, mas Rodrigo gesticulou para que Cláudia continuasse.
─ Ainda estou ouvindo.
─ Vamos lhe ensinar a controlar a habilidade que você possui ─ recomeçou ela ─, e daremos o apoio que for necessário para proteger seu amigo. Além disso, você também terá onde treinar suas habilidades físicas e mentais. Como contrapartida, será nosso agente. Irá cumprir pequenas missões para nós.
─ Como, por exemplo? ─ Rodrigo quis saber. Sua curiosidade começava a falar mais alto.
─ Rastrear artefatos antigos, caçar criaturas que estejam soltas pela noite causando desequilíbrio a realidade e outras pequenas tarefas do gênero. ─ Cláudia disse, e sorriu com o canto da boca.
Rodrigo absorveu a informação. Deixou que seu cérebro processasse cada palavra que lhe havia sido dita. E Cláudia e Hallek respeitaram esse momento, nenhum deles falou. Ficaram aguardando.
Nesse meio tempo, Katarina voltou. Trazia uma bandeja. Sobre ela, um bule de porcelana e quatro xícaras do mesmo material. Ela parou no meio da sala e, apoiando a bandeja sobre a mesinha de centro, serviu cada uma das xícaras. Depois, entregou uma para cada um.
Rodrigo fixou o olhar no conteúdo de sua xícara, um líquido escuro, que exalava um aroma doce, e sem tirar os olhos dali, falou.
─ Tudo bem, não tenho por que não acreditar em tudo isso ─ comentou, e parecia cansado. ─ Mas, digamos que, eu não queira me envolver, eu teria essa opção?
Claudia balançou a cabeça.
─ Sinto muito ─ disse. ─ Ou você tem nossa ajuda, ou está sozinho. Mas queira você ou não, já está envolvido.
Rodrigo sentia-se consumido por tudo aquilo. Em sua mente, a pergunta retórica o perturbava: por que eu?
Hallek pareceu perceber seu dilema. Talvez estivesse monitorando seus pensamentos, Rodrigo não tinha como saber. Mas procurou prestar atenção nas palavras oferecidas pelo professor.
─ Rodrigo ─ disse o professor ─, acredite, não existe coincidência. Todos nós estamos conectados. É assim que gira a roda da vida. Conhecemos quem precisamos conhecer, para exercermos nosso papel, saibamos ou não qual ele é.
Cláudia observava Rodrigo com interesse. Não parecia preocupada em se ele iria ou não aceitar sua proposta. Apenas curiosa em saber o que o garoto iria decidir.
Rodrigo inspirou e liberou o ar. O fez de forma lenta, controlando os batimentos do coração que teimavam em sair do compasso.
─ Ok! ─ ele disse por fim, e pode notar um principio de sorriso tentando ganhar os lábios de Cláudia. ─ Aceitarei sua oferta. Mas devo deixar claro que, isso é apenas uma troca, por Hander. Se algum dia eu tiver que escolher um lado, o seu ou o dele... ─ Rodrigo fez uma pausa, encarando Cláudia com seriedade ─ Espero que saiba que minha lealdade está com Hander.
Rodrigo olhou de Cláudia para Hallek e dele para Katarina, sustentando o olhar, fazendo o possível para mostrar respeito e também deixar bem claro o quanto estava decidido. E ambos os três, pareciam satisfeitos com a resposta dele.
─ Tudo bem ─ Cláudia acrescentou, provavelmente tentando demonstrar com palavras o que seu rosto procurava dizer. ─ Aceitarei essa condição. Espero que seu amigo saiba o valor dessa amizade.
Rodrigo não replicou. Sabia o quanto sua amizade com Hander era verdadeira. E isso era o que importava. Mas a conversa ainda não havia terminado. Rodrigo sabia.
─ Agora me expliquem, afinal, que perigo espreita meu amigo. Acredito que exista algo especifico, do contrário, nem aquela dupla e nem vocês, teriam me procurado.
O trio a sua frente trocou um olhar entre si e por fim, como que se tivessem chegado a um acordo silencioso, Katarina falou.
─ Seu amigo, Hander, ele vem de uma das muitas realidades que cercam a nossa  ─ começou. ─ Ele vem do mundo Pré-Mortal. Ele está aqui cumprindo um castigo pelo que sabemos. Mas sua alma guarda poderes tão grandiosos, que começa a interferir no equilíbrio da existência. E pelas informações que conseguimos colher, existe alguém muito interessado nesse poder. ─ A voz de Katarina era suave como a de Cláudia, e ela olhava diretamente nos olhos de Rodrigo enquanto falava. ─ Seu nome é Guirana. Ao que tudo indica, ela é uma feiticeira e pertence ao mesmo mundo que seu amigo. Não sabemos como e nem quando, mas temos certeza de que ela irá surgir aqui, no nosso mundo, atrás de Hander. ─ Explicou ─ E foi justamente por esse motivo, que aquele casal o procurou, pedindo que você ficasse de olho em Hander.
Katarina não sabia, mas tinha acabado de dar a Rodrigo, uma explicação que só agora ele percebia que não havia recebido do casal. Mas ele continuou em silêncio, escutando, a mulher parecia ter mais a dizer.
─ Além disso, uma profecia acompanha o destino de seu amigo. Ninguém sabe ao certo o poder das palavras encerradas nela e nem se de fato ela tem poder para acontecer. Mas isso também nos preocupa. Pois envolve o destino do mundo como o conhecemos. ─ Profecias eram perigosas, Rodrigo sabia. E o fato de uma cercar seu amigo, o deixava ainda mais preocupado. Mas ele continuava apenas escutando. ─ Mas não se preocupe, agora que está aliado a nós, há uma chance de que possamos controlar os eventos que estão a caminho.
Katarina deixou escapar um sorriso. Rodrigo não gostou, apesar de ter achado aquilo extremamente sensual; mas apenas observou, guardando para si o receio. Ficaria de olhos bem abertos.
─ Ok! ─ disse por fim. ─ Farei a minha parte. Espero que possamos impedir essa coisa toda de acontecer. Agora, se me dão licença ─ ele olhou para o relógio no pulso ─, preciso ir. Acho que por hoje é o suficiente.
Cláudia aquiesceu.
─ De acordo ─ respondeu ela. ─ Manteremos contato. Agora, vá e descanse. Sua jornada está apenas começando.
Rodrigo cumprimentou a todos na sala e se dirigiu a saída. Katarina o acompanhou.
─ Boa sorte! ─ ela disse, como se ele estivesse saindo em missão. Piscou e deixou um beijo flutuar no ar. Depois, fechou a porta, sumindo atrás dela.
Rodrigo agora estava de pé, na frente do sobrado, olhando para a praça a sua volta. Seus pensamentos estavam uma bagunça. Mas ele sabia que aquilo só iria piorar. E pior, sabia que tinha feito a escolha certa. Mas sabia que está, era a escolha errada. Mas o que está feito está feito. Ele agora precisava seguir adiante. Seu amigo precisaria de ajuda. E ele estaria lá quando de fato fosse necessário.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Humano e a Irmandade - Parte II - Sinais

Na primeira parte de "O Humano e a Irmandade", nosso amigo Rodrigo descobriu que o mundo esconde mais segredos do que imaginamos. E que seu amigo, Hander, está na mira de algo que nem mesmo ele sabe.
E o e contro com a dupla o deixa intrigado. Mas as coisas não param por ali.
Vejam na sequência como a história continua a se desdobrar.


***

Após o estranho encontro, Rodrigo teve uma noite sem sonhos, mas nada tranqüila. Saiu da cama muito a contra gosto para ir para escola. E olha que já eram 11h da manhã. Depois de escovar os dentes, tomar café e lavar o banheiro; tudo isso se arrastando de preguiça, ele tomou um banho, pegou a mochila e partiu pra escola.
O dia seguia bem. Começou com dois tempos de literatura, que para sorte de Rodrigo pareceram passar voando. Em seguida vieram dois tempos de Educação Física. Ele gostava muito dessa aula, mas não estava nem um pouco animado neste dia para se exercitar. Então, resolveu “matar” aula junto com Hander, que nunca gostou de fazer essa disciplina. Os dois conversaram com a professora e entraram num acordo com ela de entregar um trabalho escrito para compensar a falta de interesse na aula prática.
─ E então, o que achou do que Hallek nos falou sobre aquela garota da foto? Você acredita nele? ─ mesmo com a desconfiança a cerca da verdade sobre a garota da foto, Hander estava claramente empolgado com a possibilidade de tudo aquilo.
─ Não sei. ─ Rodrigo respondeu de forma casual. Estava sentado ao lado do amigo. Ambos estavam no gramado do colégio, na lateral esquerda de quem entra, não muito longe do portão. ─ Mas eu não me empolgaria tanto se fosse você. Sabe que o Hallek é meio doidinho. ─ Rodrigo gesticulou, girando o dedo indicador na altura dos ouvidos e depois apontou para Hander, acrescentando: ─ Igualzin você.
Os dois caíram na gargalhada. Principalmente por que Hander não podia discordar de Rodrigo. Os dois haviam ficado amigos logo no primeiro dia de aula e compartilhado suas teorias doidas sobre a existência de magia, alienígenas e seres sobrenaturais. Mas Rodrigo, diferente do amigo, era um pouco mais cético quanto a isso e se mantinha muito reservado em suas opiniões, sempre tentando ser um cara normal. Não que ele conseguisse. Afinal, era magro, não era o padrão de beleza que as garotas procuravam, usava aparelho nos dentes e tinha seu jeito de ser. Nem nerd, nem mauricinho. Apenas o jeito Rodrigo. Sorridente, comunicativo e canastrão a seu modo.
─ Ok. Vou considerar isso um aviso. ─ Hander conseguiu falar, quando ambos pararam de rir.
Tudo corria bem, e os dois ficaram por ali, jogando conversa fora. Falaram sobre como estava difícil passar do primeiro CD de Final Fantasy VII e dos últimos quadrinhos que haviam lido. Foi exatamente quando entraram numa discussão a cerca da nova fase de X-men, onde os heróis mutantes iriam passar por um período onde o Professor Xavier estaria morto e o mundo a mercê do poderoso mutante chamado Apocalipse, que um garoto chegou arfando até Rodrigo e Hander, com a mochila entreaberta e visivelmente bagunçada. Rodrigo pode notar que alguns fiapos de grama saiam da bolsa.
O garoto era da turma deles. A pele morena de sol estava quase pálida e os olhos um tanto esbugalhados.
─ Um de vocês viu quem fez isso? ─ O garoto perguntou, erguendo a mochila. Rodrigo pode ver melhor o que havia ocorrido. Haviam aberto a bolsa do garoto e enchido de pedra e grama. Não era a toa que ele estava nitidamente irritado. Haviam lhe pregado uma baita duma brincadeira de mau gosto.
Rodrigo balançou a cabeça e olhou para Hander.  O amigo pareceu ponderar. Parecia ter visto algo que ele não havia visto.
O garoto diante deles, vendo a hesitação de Hander, insistiu na pergunta:
─ Tem certeza de que não virão quem fez isso?
Hander olhou para o garoto, abriu a boca e voltou a fechar. Estava claramente indeciso sobre o que fazer. Mas pelo visto tinha visto algo. Definitivamente ele sabia de alguma coisa, Rodrigo podia apostar.
─ Ah, qual é cara. Diz quem foi que fez isso. ─ Agora o garoto estava focado em Hander. ─ Eu prometo que não digo quem foi que me contou.
Rodrigo olhou curioso para Hander, esperando para ver o que o amigo faria.
─ Ok. Eu conto. ─ Hander balançou a cabeça, claramente irritado com o que estava prestes a fazer. ─ Sei que vou me arrepender disso, mas... Foram aqueles seus amigos. Um alto magrelo de cabelo “aloirado” e um outro mais ou menos da sua altura, de cabelo comprido, que usa óculos. Havia mais um com eles... ─ Hander ficou um instante pensativo e depois voltou a falar ─ ... acho que um magro com o rosto meio espinhento.
O garoto pareceu recuperar a cor da pele quando Hander terminou de falar. Rodrigo ficou observando, pensando em que tipo de encrenca o amigo havia acabado de entrar. Pois duvidava que essa história fosse passar sem que nomes fossem ditos.
─ Obrigado! ─ O garoto disse e se retirou, com a mochila nas mãos, o zíper ainda entreaberto, deixando fiapos de grama escapar.
O sinal tocou alguns momentos depois, indicando que a ultima aula iria começar. Todos no pátio começaram a se dirigir para suas salas. Rodrigo e Hander fizeram o mesmo.
Enquanto a aula de matemática prosseguia, Rodrigo notou a ausência de alguns alunos na sala. E eram justamente aqueles que Hander havia delatado para o garoto da mochila.
“Algo me diz que isso não vai prestar.”
O sinal tocou, anunciando o fim da aula e todos, sem nem esperar a liberação do professor, começaram a arrumar seus materiais em suas mochilas. Rodrigo o fez mais que prontamente e ficou esperando Hander o fazer. Quando o amigo terminou, os dois saíram da sala. A cabeça de Rodrigo ainda girava em torno da ausência daqueles alunos na sala enquanto desciam as escadas. Mas ele podia notar que Hander não parecia ter notado o mesmo que ele. Quando finalmente chegaram ao portão, Rodrigo soube imediatamente que as coisas haviam desandado. Parado do lado de fora, estava o trio que o amigo havia delatado. Agora Rodrigo lembrava o nome deles. Os mais bagunceiros da turma: Marcos, Cláudio e Márcio.
Marcos, o mais alto, estava no meio, com os olhos precisamente focados em Hander, Rodrigo pode notar. O grandão e os amigos bloqueavam a passagem. Rodrigo e Hander pararam diante do bloqueio.
─ Da licença. Podemos passar? ─ Hander pediu, e parecia não notar a irritação nos olhos dos garotos.
Mas Rodrigo notou.
Cláudio, o de cabelos compridos, parecia empolgado. Típico daqueles que andavam em bandos e queria ver o circo pegar fogo. Seu sorriso maldoso denunciava isso. Mas não foi ele quem falou, foi o próprio Marcos.
─ Licença? ─ Sua voz soava pesada. ─ Não, não dou. ─ O grandão disse e cruzou os braços, mantendo-se no meio do caminho.
Rodrigo apenas observou. E enquanto o fazia, mais pessoas iam se juntando ao grupo parado no portão. Meninos e meninas cercavam-nos, com certeza querendo ver o bicho pegar.
Foi neste momento que Rodrigo notou algo diferente. Havia um borrão preto, uma sombra disforme flutuando no ar, bem ao lado do ombro esquerdo de Marcos. Rodrigo esfregou os olhos, achando que estava com a visão turva, mas quando terminou, o borrão continuava lá. Um calafrio percorreu sua espinha e ele teve a impressão de que a coisa estava rindo.
“Isso só pode ser brincadeira”. Rodrigo pensou.
─ O quê que ta pegando afinal, heim? ─ Hander perguntou, parecia impaciente.
O grandão deixou um dos cantos da boca levantar, era um sorriso maldoso e de quem havia chegado ao ponto em que queria.
─ Ta achando que vou deixar passar o que você fez? ─ o garoto disse e, sem dar tempo para Hander processar a informação, o empurrou socando-o com a mão espalmada entre os peitos. Hander cambaleou para trás, parando sobre a proteção da mão de Rodrigo que o interceptou, impedindo o amigo de ir ao chão.
─ Ei, tá maluco? ─ Hander disse em protesto.
─ Maluco tava você, quando caguetou a gente praquele mané ─ disse o magro de cara meio espinhenta, o Márcio, se metendo na confusão.
─ Isso mesmo ─ acrescentou o grandão. ─ E agora você vai ter uma lição.
Com isso, o grandão juntou as mãos, estalando os dedos e depois socando a própria palma aberta com o punho cerrado.
Rodrigo pode notar o rosto de Hander assumir certo nervosismo. O amigo não era de briga e não costumava ter estomago para zoações. E aquilo parecia ser as duas coisas; estavam tirando um sarro da cara dele e ao mesmo tempo, prestes a fazê-lo de saco de pancada. Rodrigo balançou a cabeça, resignado.
─ Ai galera, vamos com calma ─ Rodrigo entrou na confusão. ─ Ele não fez por mau, sabem como ele é todo certinho. Achou apenas que estava fazendo a coisa certa. ─ Rodrigo concluiu, dando de ombros e com uma das mãos sobre o ombro do amigo.
─ É, mas o senhor certinho ai ─ e o grandão apontou para Hander ─, agora vai aprender uma lição: Não se meter nos assuntos dos outros.
Rodrigo ainda podia ver o borrão preto e sombrio ao lado de Marcos. A coisa parecia falar ao ouvido do garoto. Parecia se divertir com tudo aquilo. Rodrigo começava a se perguntar se tudo aquilo não estava sendo orquestrado por aquilo. Olhando novamente para Hander, pode notar que, silenciosamente, lagrimas começavam a descer pelos olhos do amigo.
─ Não adianta chorar não neném ─ disse Cláudio, desdenhando de Hander.
Depois disso, Marcos deu um passo à frente, ficando próximo a Hander novamente. Rodrigo apenas observava, ainda não sabia bem como reagir. Estavam todos do lado de fora da escola, então não adiantaria em nada chamar algum inspetor. E como os garotos ainda não tinham partido, de fato, pra agressão, ele achou melhor não o fazer também. E só o faria se eles juntassem todos sobre Hander, em um ato de covardia. Ai ele não deixaria o amigo sozinho nessa.
No entanto, quando de novo, à praticamente meio braço de distância de Hander, o grandão bloqueou o caminho do garoto, ele teve uma reação inesperada. Algo que definitivamente não foi visto de forma normal por Rodrigo. Ele podia notar, ainda, a estranha sombra que estava ao lado do ombro esquerdo de Marcos; a coisa parecia rir e se deliciar com a situação. Mas agora, uma estranha aura vermelha, fraca, permeava em torno do corpo de Hander. O garoto parecia ter enrijecido; havia assumido uma postura mais firme diante de seus “agressores”.
─ Sai... da minha... frente! ─ Apesar de ter sido praticamente um sussurro, a voz de Hander estava carregada de um sentimento ruim e soou bastante firme.
Mais uma vez Rodrigo teve a impressão de ver o borrão rir da situação. Era como se as coisas estivessem seguindo exatamente o rumo que aquilo queria.
Marcos não arredou nem um passo da frente do amigo de Rodrigo. O rosto era uma mascara impassível e séria.
─ Passe por cima, se for capaz. ─ O grandão disse, e cruzou os braços novamente.
O povo em volta ficou agitado e um burburinho se alastrou. Todos apreensivos e ansiosos. Claro, todo mundo queria ver um pouco de briga. Certamente era o que esperavam desde o inicio.
Rodrigo estava um passo atrás de Hander, quando esse se afastou indo em direção a Marcos. Quando chegou perto dele, ergueu um dos braços e alcançou a parte superior do braço direito do outro, que o olhou com surpresa, mas quando se deu conta, já estava sendo jogado pro lado.
“De onde Hander tirou essa força?” Rodrigo pensou, surpreso com a atitude do amigo.
Depois disso, tudo foi um turbilhão de acontecimentos.
Hander atravessando a rua sem olhar para os lados, duas amigas de classe indo atrás dele, visivelmente preocupadas com o garoto. Os meninos que queriam lhe dar uma lição indo em seu encalço, mas tendo o caminho barrado pelos garotos do terceiro ano, que surgiram, Rodrigo não sabia de onde, falando qualquer coisa a cerca de que não iriam deixar eles fazerem mau a Hander. E no meio de tudo isso, uma voz ecoou na mente de Rodrigo: Seu amigo já era. Ele não possui força de vontade o suficiente neste mundo.
Ao ouvir isso, Rodrigo saiu correndo atrás do amigo, que já ia muito à frente. O que aquela voz quiz dizer com aquilo? Rodrigo correu o mais rápido que pôde. Passou empurrando as pessoas pelo caminho e gritando pedidos de desculpas enquanto também atravessa ruas sem olhar para os lados, já estava praticamente sem fôlego quando chegou à rampa que dava acesso para atravessar para o outro lado da passarela que integrava à rodoviária de Campo Grande. Parou por uma fração de segundo para recuperar o ar, já quase sem esperança de alcançar o amigo, quando avistou uma amiga subindo desesperada a rampa, os braços estendidos ao ar; e mais acima, com as mãos em volta do corrimão da passarela, parado, olhando vidrado para baixo, para a linha de trem, seu amigo, Hander.
O coração de Rodrigo disparou. E seu corpo fez o mesmo, subindo a rampa com o máximo de velocidade que conseguiu. Suspirou forte quando chegou lá em cima e encontrou a amiga de classe, ao lado de seu amigo, amparando-o. Convencendo-o de alguma coisa. Provavelmente a não pular dali. Aproximou-se dos dois de forma cautelosa, para não atrapalhar a ação da garota. Olhou para o rosto do amigo e viu que lágrimas vertiam de seus olhos enquanto seu corpo arfava pesadamente.
A garota que ajudava Hander, agora Rodrigo podia ver que era Andréia, uma das meninas que andavam com eles vez ou outra, deu espaço para Rodrigo ficar mais perto do amigo. Com isso, ele pôs uma das mãos nos ombros de Hander.
─ Tudo bem, amigo? ─ Rodrigo falou o mais brando que pôde.
Hander o olhou, os olhos tristes e cansados, estavam inchados das lagrimas. Mas não disse nada, apenas concordou com um aceno de cabeça. Porém, Rodrigo sabia que o amigo não estava bem. Aquela aura vermelha continuava em volta dele. Estava fraca, quase invisível agora, mais ainda estava ali. Aquilo definitivamente não era normal. E então, a voz sussurrou novamente no ouvindo do garoto.

Não foi hoje, mas não desistiremos. Seu amigo não deve viver. Seu amigo não pode despertar.

A voz se calou e um calafrio percorreu a espinha de Rodrigo.
Ele olhou para Andréia, depois para Hander e apoiando o amigo pelo ombro, o ajudou a seguir pela passarela. Juntos, seguiram em direção ao ponto de ônibus. Já haviam tido o bastante para um dia.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

O Humano e a Irmandade - Parte I - Revelação

Olá!
Esse é o primeiro registro desse mundo novo que me foi apresentado. Vou dividi-lo em 3 partes. Nesta primeira, algo muito importante será revelado ao amigo de um dos personagens centrais de uma trama que quase acabou com o nosso mundo como o conhecemos.

Mas vamos o que interesse.
Espero que apreciem. Comentários são bem-vindos. Mas se for tímido e se restringir apenas a ler, também já fico feliz.

***

“Acredite, existe mais a nossa frente do que os olhos podem ver.”

Esse é um ditado que Hander costuma usar. Afinal, a vida nem sempre é como imaginamos e, em boa parte do tempo, sempre somos surpreendidos com as reviravoltas que se apresentam. Talvez possamos afirmar que esse seja o caso de Rodrigo.
Rodrigo estuda no colégio Albert Sabin e foi lá que conheceu Hander. Os dois, apesar de serem um tanto quanto diferentes, possuíam algumas coisas em comum. A paixão por artes marciais, quadrinhos de super heróis, vídeo games e a atração por assuntos sobrenaturais.
Já no primeiro ano, os dois trocaram muitas informações e aprenderam muito um com o outro. Claro, com algumas coisas Hander não conseguia lidar de forma alguma. O que era o caso das investidas amorosas de Rodrigo. Enquanto Hander era extremamente tímido, Rodrigo era um galanteador desenfreado que não dava descanso as alunas de seu colégio. Não que ele tivesse sucesso em suas investidas. Mas ele não se cansava de rondá-las.
De todas as aulas, a de filosofia era a que mais rendia. Pelo menos para Rodrigo e Hander. O professor deles, Hallek, um homem de meia idade e boa aparência, era muito cordial e atencioso. E curiosamente havia criado uma simpatia pelos alunos. Sempre ouvindo as perguntas pós-aula, mesmo quando estas não eram inerentes a aula.
Foi durante uma dessas sessões “nada a ver”, que Rodrigo levou uma duvida de Hander até o professor.
            ─ Hallek, nos ajude! ─ Rodrigo pediu.
O professor parou de arrumar sua pasta e olhou seus alunos. Rodrigo e Hander estavam diante dele com ar abobalhado.
─ Ora, mas é claro ─ respondeu. ─ Diga, como posso fazê-lo?
Rodrigo pigarreou e deu um tapa de leve no ombro do amigo. Com um sorriso estampado no rosto, incentivou Hander a falar.
─ Sua chance meu chapa!
─ Então, professor, é que... como o senhor é um cara bastante estudioso e muito mente aberta, pelo que nos mostrou, ficamos curiosos para saber se o senhor acredita em umas coisas...
Por um momento a frase de Hande pairou no ar. Mas um sorriso encorajador do professor o incentivou a continuar.
─ O senhor acredita em magia? Acha que é possível um “humano” utilizar as forças da natureza ou mesmo da mente? Sabe, tipo nos filmes e nos quadrinhos.
Rodrigo, ao lado do amigo, aguardou na expectativa a resposta de Hallek. Torcendo para que o professor não risse da curiosidade dos dois. Sabia que mesmo para alguém como Hallek, talvez isso soasse bastante absurdo. Ele mesmo, muitas vezes tinha essa perspectiva.
O professor ponderou por alguns instantes. Sério, alisou o próprio rosto enquanto parecia ler o rosto dos alunos. E quando respondeu, o fez com uma simples pergunta.
─ Me digam vocês. Vocês acreditam nisso?
Os garotos, pegos de surpresa com o rebate, não responderam de imediato. Rodrigo olhou de Hander para Hallek pelo menos três vezes antes de responder. Era uma pergunta simples, mas que sempre o deixava em duvida.
─ As vezes sim, as vezes não. Nunca sei exatamente o que pensar.
─ Eu acredito. ─ Hander respondeu com convicção; o que não surpreendeu Rodrigo.
Rodrigo podia ver um brilho diferente nos olhos do professor. E sempre que Hallek olhava daquele jeito, ele sabia que alguma coisa interessante estava prestes a ser compartilhada. E o que veio foi surpreendente.
─ Bem, eu também acredito ─ disse. ─ Inclusive, na minha opinião, imagino que se nós, seremos humanos, permitíssemos que nossas mentes fossem um pouco mais abertas, aproveitaríamos muito mais o potencial de nosso cérebro.
Visivelmente empolgado com a resposta de Hallek, Hander o cortou expondo nova curiosidade. Rodrigo apenas observou; interessado em ver até onde aquilo iria.
─ E você já teve alguma experiência desse tipo? Já usou magia ou foi capaz de alguma proeza telepática ou telecinética?
O professor sorriu e riu gostosamente. Claramente interessado no assunto.
─ Ah, meu querido, queria eu. Seria uma maravilha poder usufruir de tais habilidades ─ disse.
Rodrigo observou o sorriso ansioso de Hander se desfazer.
─ Mas não desanime rapaz. Eu não posso fazer tais coisas, mas conheço alguém que pode.
Os olhos de Hander brilharam. E Rodrigo ficou atento ao que viria.
Hallek voltou-se para sua pasta e remexeu em seus compartimentos. Depois de revirá-la um bocado, retirou dela uma foto.
─ Aqui, vejam.
Hallek entregou a foto nas mãos de Rodrigo. Os dois garotos olharam para a foto, nela, uma bela jovem posava para a câmera. Ela vestia um vestido tubinho tomara que caia de cor preta com uma jaqueta de couro por cima. O cabelo liso e preto caia na altura dos ombros, partido meio de lado sobre seu rosto. O sorriso era apenas uma linha fina em sua face.
─ Uau! ─ Rodrigo disse, empolgado. ─ Quem é a gata, professor?
─ Uma amiga ─ Hallek respondeu. ─ Mas ela não é uma pessoa comum. Talvez eu nem devesse estar comentado isso com vocês. Mas acho que não há mal nisso.
Hander fez que sim com a cabeça, incentivando o professor a continuar.
─ Então... Seu nome é Cláudia. E apesar dessa aparência, ela é mais velha do que podem imaginar.
Rodrigo e Hander se sobressaltaram, e praticamente ao mesmo tempo exclamaram:
─ Como assim?!
Outra risada divertida foi emitida por Hallek.
─ Minha amiga é uma bruxa, vamos assim dizer. E digamos que, graças a uma técnica que ela possui, consegue manter sua juventude.
─ E como você a conheceu? ─ Hander perguntou.
─ Essa é uma longa história. ─ Hallek olhou para o pulso, conferindo o visor do relógio. ─ Mas contarei a vocês em outro momento. Agora preciso ir.
Dito isso, ele guardou a foto novamente em sua pasta e se despediu dos alunos. Rodrigo e Hander ainda ficaram algum tempo na sala, depois que o professor se foi.
─ Eu te disse, viu. ─ Hander falou empolgado para o amigo.
Rodrigo deu de ombros.
─ É, parece que você tem alguma razão. ─ Rodrigo respondeu, tentando se mostrar um pouco indiferente, apenas para deixar Hander encabulado.
De leve, Hander deu um soco em seu ombro. O que o fez dar um passo para trás.
─ Ah, vai, você tem que admitir que o que acabamos de ouvir foi inacreditável!
─ Pode ser ─ Rodrigo respondeu meio distraído. ─ E é justamente por isso que não levo muita fé.
Hander arqueou uma das sobrancelhas.
─ Não faça essa cara. Você e eu sabemos muito bem que o professor é meio doido. ─ Rodrigo falou e, ao mesmo tempo, gesticulou com o indicador, girando-o ao lado do ouvido. ─ Mas venha, acho melhor irmos embora. Pelo menos sua curiosidade já foi satisfeita.
Hander deixou os ombros caírem e seguiu Rodrigo porta afora. Por dentro, Rodrigo ficava se perguntando até aonde a história de Hallek de fato era verídica. Afinal, se fosse, era de fato algo surpreendente. Mas preferia fingir indiferença, para que Hander não tirasse de vez os pés do chão. Pois diferente de Rodrigo, que mantinha os pés firmes na estrada da vida real mesmo acreditando no sobrenatural, Hander sairia por ai voando se tivesse certeza de que tudo em que acredita é real. Na verdade, esse seria o maior achado de sua vida, Rodrigo acreditava. Era uma pena que o amigo fosse assim. Era por isso que ele sofria tanto. Rodrigo gostaria que fosse diferente. Mas não podia mudar o jeito de pensar do amigo.

***

Aquele havia sido um dia normal na escola. Era o que Rodrigo pensara. Apenas mais um dia onde dois malucos haviam tirado suas curiosidades com outro maluco.
Ledo engano.
No final do dia, assim que voltou do futebol, e já de banho tomado, notou um envelope sobre a cabeceira de sua cama. O objeto era branco e estava lacrado com um selo vermelho. O mesmo tinha o formato de um tribal que parecia representar o fogo pela forma como suas linhas se apresentavam.
Não o abriu de imediato.
Encucado, chegou da porta e gritou pela irmã.
─ Nee-chan, você deixou alguma coisa aqui no meu quarto pra mim?
A resposta veio em seguida.
─ Não!
Rodrigo fechou a porta e passou a chave. Ainda de posse do envelope nas mãos, o observou curioso.
─ Como isso veio parar aqui? ─ murmurou para si mesmo.
Intrigado, passou o olhou pelo quarto, observando o espaço de canto a canto. Nada estava fora do lugar. Inclusive a janela estava fechada. E mesmo que estivesse aberta, era loucura pensar que alguém entraria por ela; eram 3 metros de altura e a parede externa era lisa. Sem nenhum tipo de apoio para escalada.
Rodrigo sentou na beira da cama. Hesitante, abriu o envelope.

Rodrigo,
Você não me conhece, mas eu o conheço.
Mas fique tranqüilo; essa carta não é nem de longe algum tipo de ameaça. Na verdade, estou lhe enviando ela, pois minha intenção é justamente preveni-lo de algumas coisas. Precisamos conversar. Pessoalmente.
Gostaria que me encontrasse amanhã, as 20:00h, na Choperia Cuca Fresca. Ela fica na Av. Gastão Rangel, em Santa Cruz. Lá poderemos conversar melhor.
Sei que você irá, por isso, não aguardarei confirmação. Estarei lá a sua espera, no horário citado acima.
Ah, isso é muito importante: Não leve ninguém. Vá sozinho.
Quando chegar a chopperia, não se preocupe, eu o reconhecerei.

Atenciosamente,
L

p.s.: Não esquente em ter que guardar ou sumir com esta carta. Assim que terminar de lê-la, ela se autodestruirá.

E foi isso o que aconteceu.
Assim que Rodrigo terminou de ler o conteúdo da carta, ela literalmente entrou em combustão e pegou fogo. O garoto, assustado, deixou rapidamente o objeto cair no chão. E paralisado, ficou boquiaberto observando o papel se reduzir a cinzas.
Quando as chamas se extinguiram, não havia nem vestígio da carta. Era como se ela nunca tivesse existido.
─ Que louco, meu! Acho que to vendo muito anime! ─ Rodrigo murmurou entre os dentes. ─ Eu só posso estar sonhando acordado. É a única explicação para isso.
Incrédulo, Rodrigo deitou em sua cama. Os olhos vidrados no teto. Apesar de não querer acreditar, ele sabia que não havia sido uma alucinação. Mas o que mais o intrigava, era que a carta não dizia o por que do convite para o encontro. E o que o L representava? Seria alguém fazendo uma pegadinha, utilizando-se de um dos personagens mais famosos dos animes? Mas como explicar a combustão do papel? Rodrigo estava sem argumentos para negar o que acabara de testemunhar.
Depois de uma noite horrível, se revirando na cama e pregando o olho, mas mau conseguindo dormir, Rodrigo decidiu não ir a escola. Passou o dia em casa assistindo TV e ignorando a irmã.
Por volta das 18:00h, tomou um banho e colocou seu jeans básico e uma blusa branca de manga. Saiu de casa sem nem dar tchau para a irmã. E se ela questionou sua saída, seus ouvidos não captaram.
As 19:40h ele estava em frente ao local indicado na carta. Ficou no meio da rua, na parte que dividia as duas pistas, ponderando se devia ou não sentar-se a uma mesa e esperar. Por fim, atravessou a pista e sentou-se em uma das mesas da parte interna do bar, em um canto de onde podia assistir a TV, que estava ligada, transmitindo uma luta do UFC.
Os minutos se arrastaram, mas quando olhou no relógio para conferir as horas, e viu que era exatamente 20:00h, uma pessoa lhe dirigiu a palavra.
─ Posso me sentar?
Erguendo os olhos em direção ao seu interlocutor, Rodrigo reparou que tratava-se de um rapaz moreno, de cabelos negros e pele morena queimada de sol. Assim como ele, estava vestido casualmente. Apenas uma bermuda jeans e uma blusa de gola V, vermelha. Acompanhando-o, estava uma jovem dama, também morena e vestida casualmente. Trajava uma bermuda de lycra preta e uma blusa de malha PV, amarela. O cabelo encaracolado caia solto emoldurando o rosto.
─ Acredito que esteja perguntando apenas por educação ─ Rodrigo respondeu. ─ Sentem-se.
Ambos, o rapaz e a menina, puxaram uma cadeira cada um, e se acomodaram.
─ Eu sou Leonardo. ─ Antes que Rodrigo pergunta-se, o rapaz se apresentou. E indicando a menina, ele acrescentou ─ E ela é Geizy.
Rodrigo olhou desconfiado para eles.
─ Me diz uma coisa, que truque bacana foi aquele com a carta? ─ Rodrigo falou, de modo que apenas o rapaz e a garota o ouvissem.
Ambos riram discretamente. Não havia deboche em suas expressões.
─ Aquilo foi apenas uma forma de ter certeza que você viria. ─ informou Leonardo.
Rodrigo estreitou os olhos, ainda desconfiado dos dois.
─ Mas aquilo é impossível! Nunca vi um papel pegar fogo sozinho!
─ Até agora, você quer dizer? ─ Agora Leonardo tinha um tom de divertimento em sua voz.
De repente a conversa do trio foi interrompida por um garçon, que se aproximou. O rapaz de estatura mediana usava o uniforme do estabelecimento – uma blusa branca de manga roxa com a logo Choperia Cuca Fresca estampada na altura do peito e uma calça jeans – e trazia na mão um bloco de comanda.
─ O que vão querer? ─ Perguntou, ajeitando os óculos sobre o nariz.
─ 3 Coca-Colas! ─ Leonardo disse.
O rapaz anotou na comanda, retirou o papel e colocou sobre a mesa do trio.
Assim que o rapaz se retirou, Rodrigo agilizou uma pergunta.
 ─ Mas afinal de contas, quem são vocês?
─ Amigos! Disso você pode ter certeza. ─ Informou Geizy. Sua voz era suave e parecia uma lufada de vento sussurrando. ─ Sabemos que você e meu primo estudam juntos. E é justamente por isso que precisamos de sua ajuda.
─ Continue. ─ Rodrigo prestava atenção, apesar de o coração estar fora de compasso.
─ Em breve algo de ruim tentara atingi-lo ─ continuou a garota. ─ Com você na “contenção”, talvez possamos amenizar isso. Além do mais, mesmo que você não queria, já está envolvido.
─ Como assim? ─ Rodrigo a indagou ─ Afinal, do que exatamente estamos falando?
Leonardo tomou a palavra, parecendo mais sério quando o faz.
─ Seu mundo está ameaçado. Seu amigo está aqui por um erro que cometeu. Hander não é humano. ─ o garoto fez uma pausa ─ Mas ele não faz idéia de nada disso. E assim deve continuar.
Rodrigo ficou sobressaltado com a informação. Por mais que gostasse de acreditar, era algo muito surreal de se digerir.
─ Isso é alguma pegadinha? ─ ele olhou envolta, como se estivesse procurando alguma câmera. ─ Onde estão as câmeras? ─ Apontando para uma do circuito interno de segurança, acrescentou: ─ É aquela?
Leonardo e Geyzi trocam rapidamente um olhar desconfortável.
Neste momento o garçom retornou.
Os três se calaram na presença do rapaz. Ele fingiu indiferença e apenas fez o seu atendimento, colocando as bebidas sobre a mesa. As 3 latas de refrigerante e copos na mesma quantidade – todos com gelo e limão. Depois pediu licença e se retirou.
─ Isso não é uma brincadeira. Se acha que a realidade é simplesmente o que parece, estamos perdendo tempo com você. ─ Geizy disse, e havia alguma irritação em sua voz.
Rodrigo despejou o conteúdo de sua lata de Coca-Cola no copo e ficou um tempo apenas observando a bebida. A garota parecia não querer ficar mais no bar. Mas talvez por causa de seu companheiro, que parecia indiferente ao ceticismo do garoto, ainda não havia saído dali.
─ Ok. Então sejam mais claros ─ Rodrigo finalmente disse. ─ Mesmo tendo visto aquela carta pegar fogo na minha frente, ainda é meio louco para mim tudo isso. Principalmente por que eu e Hander sempre sonhamos com algo desse tipo. Sempre nos imaginamos com poderes e habilidades especiais para lutar contra forças malignas.
A garota soltou um sorriso depois disso. Parecia entender o que Rodrigo dizia. Mas foi Leonardo quem falou.
─ Sim. Talvez isso seja o subconsciente dele, mantendo aceso de alguma forma quem ele realmente é. Já vivemos esse sonho com ele, quando éramos mais novos.
Rodrigo ficou surpreso com a informação e arqueou uma das sobrancelhas.
─ Geizy, como já mencionou, é prima de Hander ─ Leonardo informou a Rodrigo. ─ Eu estudei junto com ele no ensino fundamental. Ficamos próximos dele, fazendo o papel que pedimos que faça agora. Na época, precisamos apenas protegê-lo de alguns sonhos. Nada de mais. Só que agora é mais complicado. E não estamos por perto para lidar com o que está por vir. E por isso escolhemos você. Você, assim como Hander, não é um humano comum.
O garoto fez uma pausa, observando Rodrigo, provavelmente para ver como ele reagiria a informação.
─ Ainda estou ouvindo. ─ Rodrigo disse, ao perceber a pausa demorada.
─ Hander é um pré-mortal. Pertence, digamos, a outro mundo. ─ Leonardo voltou a falar. ─ Você é humano. Mas não igual aos seus. Possui o que chamamos de Essência. Apenas 1% de sua raça a possui e a desenvolve. ─ Notando uma interrogação no olhar de Rodrigo, o garoto tentou dar uma explicação mais simples ─ É como se fosse um poder mutante. Alguns podem desenvolver telepatia, outros telecinese, ou controle de forças elementais; as vezes super velocidade. Há uma infinidade de possibilidades. Ainda não sabemos qual é a sua Essência. Mas podemos afirmar que você a possui.
Leonardo parou de falar, provavelmente querendo dar um tempo para que Rodrigo absorver-se as informações.
Em sua cabeça, Rodrigo imaginava mil coisas que poderia fazer com qualquer uma daquelas habilidades. Era tudo o que ele sempre quis, mas nunca acreditou de fato que fosse possível. Para ele, era difícil aceitar tudo tão facilmente. Talvez se fosse Hander em seu lugar, não pensaria duas vezes em se agarrar a tais possibilidades. Pé no chão nunca fora o forte dele.
Mas Rodrigo não vivia no mundo da lua. Sabia que a vida real era um tanto cruel com aqueles que viviam dessa forma. Por isso, sempre procurou ser muito racional.
“Droga, o que devo fazer?”
Sua cabeça não conseguia parar de girar.
Ele tomou um gole de sua bebida e depois encarou, com olhar determinado, seus interlocutores.
─ Olha, ainda não sei o que pensar. Preciso de um tempo.
Leonardo e Geizy trocaram um olhar; mas pareciam mais confiantes.
─ Você não tem muito tempo. Mas tudo bem. Sabíamos que não seria fácil para você. ─ Geizy disse. ─ Quando tomar uma decisão, nos avise.
Rodrigo olhou de soslaio para ela.
─ E como farei isso? Envio um recado pelo Facebook?
Assim que terminou a frase, ele soltou uma risada descontraída. Mas o casal não pareceu achar graça.
─ Ok, a piada não foi engraçada.
─ Nos envie um pensamento. Temos uma pessoa que irá te ouvir ─ disse a garota. ─ Agora precisamos ir.
Antes mesmo que Rodrigo pudesse protestar, os dois já estavam se levantando da mesa. Leonardo abriu a carteira, e deixou uma nota de vinte reais sobre a mesa antes de ir.
─ Pode ficar com o troco.
Rodrigo não achou graça. Mas não disse nada. Enquanto os dois se distanciavam, ele notou uma estranha aura ao redor do casal. Nela, um tom de azul – bem claro –; nele, um tom de vermelho – que lembrava fogo.
─ Isso só pode ser um pesadelo. ─ disse, sacudindo a cabeça de um lado a outro, sentindo-se completamente fora da realidade.